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Quero parar, mas não consigo: repetição sintomática na psicanálise

Atualizado: há 1 dia

“O eu não é senhor em sua própria casa.”

Sigmund Freud, O Eu e o Isso (1923)


Há um tipo de sofrimento que se anuncia pela exaustão. O sujeito diz que quer parar — de repetir o mesmo gesto, de buscar os mesmos fracassos, de se enredar nas mesmas relações — mas não consegue. Quanto mais deseja se desvencilhar, mais profundamente se vê envolvido. E o que era para ser escolha, torna-se compulsão. O que parecia falha pontual, revela-se estrutura — uma repetição sintomática na psicanálise.


Nessas situações, é comum o sujeito se acusar de fraco, preguiçoso ou moralmente falho. Tenta controlar a situação com promessas, planos, técnicas de autocontrole. Mas tudo isso logo se revela inócuo. O que está em jogo não se resolve no plano da vontade, pois a força que comanda o ato reiterado não se submete ao eu. Ela vem de outro lugar — aquele que a psicanálise denominou inconsciente.


O sintoma que se repete, mesmo contra o desejo consciente, é uma formação de compromisso: uma solução precária entre exigências pulsionais e defesas psíquicas. Ele não é um erro do organismo, nem uma simples desordem de comportamento. É uma construção — dolorosa, sim, mas também engenhosa — com a qual o sujeito tenta, a seu modo, lidar com o que nele é insuportável. Por isso, ele resiste a desaparecer. Não se pode eliminá-lo sem antes compreendê-lo.


Composição abstrata com formas geométricas contrastantes, sugerindo tensão entre repetição e bloqueio, evocando o impasse psíquico do sintoma

A fala “quero parar, mas não consigo” testemunha essa divisão. O sujeito percebe que há algo em si que o governa, algo que age, escolhe e decide à revelia de sua intenção. Essa descoberta, longe de ser patológica, é fundante: nos mostra que a unidade do eu é uma ficção necessária, mas frágil. Somos atravessados por forças contraditórias, e só podemos nos apropriar de nosso destino se começarmos por reconhecê-las.


O trabalho analítico não consiste, portanto, em suprimir o sintoma a qualquer custo. Tampouco se trata de convencer o sujeito a abandoná-lo com argumentos racionais. Em vez disso, trata-se de construir um saber sobre o que está em jogo naquele ato repetido — que desejo ele abriga, que defesa ele sustenta, que perda ele encobre. É esse percurso que pode, eventualmente, produzir uma mudança. Não porque o sintoma seja combatido, mas porque ele se torna desnecessário.


Há quem abandone o sintoma sem saber por que o fez. Outros o carregam por toda a vida, mas de um modo menos mortífero. Não há garantias. Mas há trabalho — e onde há trabalho, há possibilidade de deslocamento.


Por isso, quando o sujeito diz que não consegue parar, talvez o mais honesto não seja responder com um “consegue sim”, mas perguntar: o que é que aí insiste? O que há de tão forte nessa repetição que parece mais forte do que você?


É escutando essa insistência que, em certos casos, o sujeito descobre que não se trata de vencer o sintoma, mas de decifrá-lo. E que, ao fazê-lo, já não é mais o mesmo que pedia para parar.

 
 
 

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