Os impasses da fala na psicanálise: quando falar não basta
- Kaio Diniz
- 17 de mar.
- 2 min de leitura
“O que se cala, porém, não está, por isso, esquecido.”
Sigmund Freud, Construções na Análise (1937)
Não é incomum encontrarmos, na prática analítica, sujeitos que se queixam de não mais conseguirem falar. Outros, ao contrário, falam abundantemente, sem, contudo, qualquer efeito perceptível sobre sua dor. Ambas as situações, aparentemente opostas, nos remetem a uma mesma questão: por que, em certos momentos, a fala parece impotente frente ao sofrimento?
Convém não nos precipitarmos em tomar a fala como expressão direta do que se passa na alma. A experiência psicanalítica nos obriga a distinguir entre a fala como veículo de comunicação consciente — instrumento do eu — e o dizer que se constitui como formação do inconsciente. Os impasses da fala na psicanálise, nesse ponto, dizem respeito justamente a esse descompasso entre o que se comunica e o que se revela. Enquanto a primeira pode ser clara, lógica e mesmo comovente, o segundo é disfarçado, fragmentado, e encontra suas vias preferenciais nos equívocos, nos lapsos, nos sintomas.
É por isso que se pode falar muito e, ainda assim, não tocar o essencial. A fala pode servir à resistência, à defesa contra o insuportável, à perpetuação do recalque. Em vez de conduzir à verdade do sujeito, pode mantê-lo à margem dela, entretido na repetição de um saber já sabido, que nada altera. O analista, atento a isso, não se apressa em valorizar o falar como tal. Ele escuta, antes, o que se repete, o que retorna sob novas vestes, o que se cala subitamente — indícios de que ali opera outra lógica.

Frequentemente, o chamado “travamento” da fala indica a aproximação de um ponto onde o sujeito se vê confrontado com algo que não pode, ou não quer, saber. A angústia que daí decorre não é mero efeito colateral, mas sinal de que uma verdade recalcada ameaça emergir. O silêncio que se instala, nesse caso, é mais eloquente do que muitas palavras, e não deve ser violentado por apelos à expressão. Ao contrário: deve ser acolhido como parte do processo de elaboração, pois é ele que assinala a presença de uma resistência que, se interpretada, pode ceder.
A fala que transforma não é a que repete o já conhecido, mas a que toca o desconhecido no sujeito. Para que isso ocorra, é necessário que a palavra se desprenda de sua função utilitária e se preste à construção — uma construção que, como sabemos, não se dá sem perda, sem recuo, sem trabalho. Não é a quantidade de palavras que cura, mas a posição que o sujeito assume diante do que diz — e, sobretudo, diante do que não consegue dizer.
Nesse sentido, a psicanálise não se contenta com o alívio imediato que a fala pode produzir. Seu objetivo, mais modesto e mais profundo, é outro: permitir ao sujeito aproximar-se do núcleo de seu sofrimento, construir algo em torno dele, e, se possível, deslocar-se em relação a esse ponto fixo. Se isso acontece com palavras ou com silêncios — pouco importa. O essencial é que algo tenha, enfim, se posto em movimento.
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