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Nem tudo que é sofrimento quer sumir: o sintoma na psicanálise

“Os sintomas são substitutos de satisfações pulsionais que não se realizaram.”

Sigmund Freud, Inibição, Sintoma e Angústia (1926)


Não se deve partir da ideia de que o sujeito deseja, em todo caso, livrar-se daquilo que o faz sofrer. Muitas vezes, o sofrimento é vivido como algo estranho, incômodo, mas também familiar — algo que o habita e, em certo sentido, o protege. A clínica mostra que há sintomas que resistem não por teimosia, mas por estrutura.


Ao invés de se perguntar por que o sintoma ainda não cessou, convém inverter a direção: o que nele está em jogo? O que sustenta sua permanência? Pois o sintoma, tal como se apresenta na psicanálise, não é mero excesso, nem sobra, nem falha de regulação — é um ponto de condensação onde se enlaçam o corpo, a linguagem e o desejo. A força de sua repetição não provém de uma lógica externa, mas de um arranjo interno que o sujeito não domina, embora por ele seja governado.


Composição abstrata com curvas, sobreposições e repetições visuais, sugerindo a permanência e o enlaçamento estrutural do sintoma na psicanálise.

Certas formas de sofrimento não pedem cura, mas escuta. Não por prazer masoquista, tampouco por recusa da mudança, mas porque ali se concentra uma tentativa de dar forma ao que, de outro modo, seria insuportável. Não se trata de idealizar o sintoma — ele pode ser penoso, paralisante, destrutivo —, mas de reconhecer que ele cumpre uma função. E enquanto essa função permanecer ignorada, sua força se mantém.


O sintoma na psicanálise não é algo a ser eliminado de imediato. Ele é examinado como formação, como invenção precária diante de um conflito que não encontrou outra saída. A pressa em suprimir o sintoma corre o risco de suprimir junto o que ele tenta dizer. É por isso que, muitas vezes, o desaparecimento prematuro de um sintoma não é sinal de cura, mas de deslocamento: ele retorna, com outras roupas, noutro lugar, numa nova insistência.


O trabalho analítico não visa apagar o sintoma, mas colocá-lo em movimento. Isso implica suportar a opacidade que o constitui, sustentar sua presença enquanto se investiga sua lógica e seu sentido. A escuta se dá aí, onde o sujeito não sabe que sabe, mas se repete. E é nesse ponto que pode emergir algo novo — não uma verdade absoluta, mas uma construção possível, em torno daquilo que não cessa de não se escrever.


Assim, nem tudo que é sofrimento quer sumir. E talvez seja justamente esse querer paradoxal que permita ao sujeito, pela via do sintoma, inventar uma maneira de viver que não o destrua. O que se tenta, na análise, não é calar o sintoma — é dar-lhe tempo e lugar, até que o sujeito, por sua própria via, decida o que fazer com ele.

 
 
 

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