A relação com o outro na psicanálise: será que sou eu ou são os outros?
- Kaio Diniz
- 24 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 23 horas
“O outro não é apenas objeto de observação, mas também de identificação.”
Sigmund Freud, Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)
Todo sofrimento psíquico se dá, em alguma medida, na relação com o outro. É no campo do vínculo que o sujeito se constitui, e é nesse mesmo campo que surgem as maiores inquietações: a crítica, o abandono, o ciúme, a inveja, a desconfiança — todas essas experiências remetem a um enigma sobre a posição que o sujeito ocupa (ou julga ocupar) diante do desejo e da presença do outro.
Não raramente, em análise, encontramos o sujeito oscilando entre duas posições igualmente estéreis: ou ele se culpa em excesso, atribuindo a si a causa de todo mal-estar; ou projeta em todos ao redor a fonte de seu sofrimento — impasses que dizem muito sobre a relação com o outro na psicanálise. “Será que sou eu?”, pergunta, como quem busca na introspecção um erro de origem. “Ou são os outros?”, como quem se defende de qualquer implicação subjetiva. Ambas as saídas falham, pois operam numa lógica de exclusão, como se fosse possível separar, de modo estanque, o dentro e o fora, o eu e o outro, o culpado e o inocente.
A psicanálise introduz aqui uma torção. Ela mostra que o outro não é apenas aquele com quem me relaciono no presente, mas é também aquele que habita meu mundo interno, desde os primeiros encontros com o amor, o cuidado, a perda. Não há um “eu” puramente autônomo, tampouco um “outro” neutro, isento de projeções. O que vivemos com alguém carrega o peso de experiências passadas que, muitas vezes, não reconhecemos como tais. E é justamente esse desconhecimento que alimenta os impasses.

O sujeito neurótico, em particular, tende a circular em torno de uma pergunta mal formulada sobre o lugar que ocupa para o outro. Deseja saber-se amado, necessário, escolhido — mas teme justamente essa resposta, pois ela implicaria uma redefinição do seu lugar no laço. A ambivalência que daí resulta costuma se expressar em forma de ciúmes, ressentimentos, exigências ou retraimentos que, se tomados ao pé da letra, apenas reforçam o impasse.
Mas o problema não está propriamente nos outros, nem tampouco no sujeito como tal. Está na relação entre ambos — mais precisamente, na forma como essa relação foi, um dia, estruturada, e permanece operando mesmo quando já não serve mais. O outro, nesse sentido, é uma construção subjetiva, marcada por fantasmas, repetições e equívocos que o sujeito não controla inteiramente.
A análise permite uma desmontagem progressiva dessas construções. Ao relançar as mesmas perguntas em outro registro — “O que quero do outro?” “De que forma dependo do olhar ou da palavra dele?” —, o sujeito se vê convidado a tomar distância de seus próprios enredos. Esse distanciamento não é isento de dor, pois implica reconhecer que o outro não é aquilo que se imaginava — e que tampouco se é o que se pensava ser. Mas é precisamente essa perda de garantias que torna possível uma posição nova, menos aprisionada ao circuito da repetição.
Assim, quando alguém se pergunta, com angústia: “Será que sou eu? Ou são os outros?”, é possível responder, com a prudência que nos ensina a experiência: não se trata de buscar um culpado, mas de escutar o modo como esse enlaçamento se constitui. Só então, talvez, possa surgir um pouco mais de liberdade frente a ele.
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